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A matemática é simples: o uso da #EleNão como disputa virtual


Por Julia M. Sampaio*

"A matemática é bem simples. Juntas, as mulheres somam 52,5% do eleitorado brasileiro. Portanto, unidas, podem impedir a vitória do candidato. Segundo a última pesquisa Datafolha, a rejeição ao candidato cresceu nos últimos dias – principalmente entre elas: 49% não votariam de jeito nenhum nele, número que era 43% há menos de um mês."

Redação CartaCapital

 

O ambiente virtual, a partir da web de plataformas, impulsionou a imagem do espaço infinito, onde tudo e todos podem ocupar um lugar nesse espaço supostamente

livre e democrático. A partir dessa visão, grupos sociais enxergaram a possibilidade de fazer das redes uma arena para organização política por meio da comunicação independente da mídia hegemônica e do ativismo na internet. O papel social dos dispositivos sociotécnicos nas últimas campanhas eleitorais, por exemplo, começou a ampliar a percepção de que o ambiente virtual é também, um espaço para militância política formal.

A tecnologia foi desenvolvida ao longo do patriarcado, por ser um sistema social presente para a manutenção do privilégio masculino presente nesse período. Enquanto isso, a representação de um universo masculino que promove valores de racionalidade, competição e dominação, contrariando os valores do gênero feminino, vinculados ao universo do cuidado e pensamento solidário[i]. Os vícios masculinos com raízes na vanguarda das organizações políticas dificultam há anos a inserção da mulher na política, que é silenciada, desmoralizada e tem suas pautas secundarizadas por muitas dinâmicas e meios das organizações sociais. Ambos possuem o aspecto que garante a manutenção do privilégio masculino no que tange à dominação virtual e não-virtual: o capitalismo, que historicamente associa a imagem feminina a uma dinâmica de vida que não as insere na disputa ideológica humanitária.

Ao longo dos anos, as tecnologias vêm compondo o mundo e as relações sociais. Os objetos não-humanos são indispensáveis para a nossa ação na sociedade e isso implica na constante transformação do que somos, sabemos, pensamos e da maneira como nos representamos no fato de que somos profundamente transformados no que somos, sabemos, pensamos e em como nos representamos[ii]. O capitalismo industrial controlado pelas instituições disciplinares passa a ser cognitivo e encontra-se na codificação e digitalização do mundo. Operadas pelos softwares, surgem as redes digitais, que recobrem o planeta e colocam a comunicação como elemento estruturante nos processos sociais, econômicos, culturais e políticos[iii]. Portanto, tecnologia é política, e para uma atuação efetiva das mulheres na sociedade, é necessário disputar o ambiente virtual.

Para os movimentos de oposição que historicamente se manifestavam nas ruas, as redes passaram a ser uma possibilidade de ampliar suas táticas de disputa contra grupos, valores, práticas e instituições de poder hegemônicos. Ao compreender essa questão, o movimento feminista passa a se organizar publicização e oposição aos acontecimentos machistas ao redor do mundo. A acessibilidade aos acontecimentos globais passa a possibilitar a revolta instantânea via internet. Com o acúmulo de anos, uma pauta emergiu no movimento feminista para várias mulheres ao redor do mundo: a representatividade.

Passa a ser feita a busca de quadros e de pautas que contemplem a causa feminista e suas correntes. Surgem conteúdos via blogs, facebook, twitter, youtube e as demais plataformas que tornam horizontais os debates de gênero e algumas descobertas são feitas a partir da troca de vivências, propiciadas pela reunião de mulheres em coletivos. A solidariedade feminina em rede pode colaborar para o aumento da movimentação econômica feminina (grupos de facebook que trocam indicações de mulheres para prestação de serviços, comércio de roupas via bazares online), até a troca de saberes cotidianos na área da saúde entre mulheres e suas experiências médicas, por meio do movimento pelo parto humanizado, contra violência obstétrica e indicações de cuidados ginecológicos.

Durantes as eleições de 2018 esse fenômeno não se diferiria. Após a movimentação coletiva de mulheres em prol da construção de candidaturas femininas e interseccionais, novos quadros políticos surgiram para ampliar as opções eleitorais. Porém, o Brasil não fica à parte da onda conservadora que vem afogando os avanços sociais e democráticos: a figura memeática de Jair Bolsonaro, após quase trinta anos de carreira política, conseguiu se projetar para o cargo de presidenciável após declarações que vão da exaltação do período da ditadura militar e seus torturadores até as atitudes violentas com mulheres na política.[1].

Atualmente, o candidato segue em primeiro lugar nas pesquisas, apesar de obter a maior taxa de rejeição, que oscila entre 40% a 43%, segundo o Datafolha (dia 20/09/2018) com margem de erro de 2%. No início de setembro, foi identificado que a rejeição ao candidato subiu e que 49% das mulheres não votariam nele de jeito nenhum. Antes disso, no dia 30 de agosto um grupo virtual toma todos os veículos de comunicação[2], sendo responsável por explicar o fenômeno desse acentuado aumento da rejeição: o “Mulheres unidas contra o Bolsonaro” conseguiu atrair mais de meio milhão de mulheres em apenas três dias, conseguindo a seguinte unidade na pauta do movimento de mulheres, a hashtag “Ele não”.

Durante uma semana no período eleitoral o grupo passou a ter em média 10.000 solicitações por minuto de entrada, mutirões de mulheres inserindo suas redes de amigas e uma enorme variedade de postagens. Dentre elas, muitos desabafos sobre companheiros que apoiavam o candidato, buscas por candidaturas femininas para o plenário e conversas sobre os possíveis presidenciáveis. A mobilização foi tanta, que o grupo se internacionalizou. Mulheres contra a candidatura e emigrantes brasileiras se posicionaram em postagens e seguem se mobilizando para no dia 29/09, data escolhida para as manifestações nas ruas de todo o país.

Porém, na sexta-feira do dia 14/09 o celular de uma das administradoras parou de funcionar. Foi realizada a tática da clonagem de chip para hackeamento do grupo, exclusão de todas as administradoras e mudança do nome do grupo para “Mulheres com Bolsonaro”. A resposta a essa prática foi o repúdio de integrantes e o resgate do grupo. Entretanto, o grupo que já havia mais de 2 milhões e meio de membros continuou a sofrer ataques até domingo (16/09), a ponto de sair do ar para manutenção pelo facebook, sem previsão de retorno.

Enquanto as administradoras lidavam com ameaças de ódio assim como com possíveis exposição de dados dos seus celulares[3], Eduardo Bolsonaro, filho do presidenciável, espalhava fake news. O candidato a deputado federal alegava que o grupo Mulheres unidas contra o Bolsonaro havia sido “comprado pela esquerda” e estava sendo esvaziado por seus membros, enquanto que o grupo Mulheres com Bolsonaro havia sido recém-criado. Todavia, este era o grupo hackeado, e já tinha havido a repercussão de ser, antes da invasão, o grupo contra o presidenciável.

O candidato ainda acusava o The Guardian, um dos primeiros veículos a apontar o crime cibernético, de estar espalhando fake News, cooperando e realizando, também, uma declaração criminosa. Pelo twitter e facebook, a declaração de Eduardo Bolsonaro gerou milhares de reações, a maior parte positivas em relação ao seu posicionamento, enquanto ainda não ocorreu penalidade ou retratação alguma pela atitude do candidato e hackers responsáveis pelo assédio as administradoras e desativação do grupo.

Fake news como tática

As fake news são artigos de notícias que são intencionalmente falsos, com o objetivo de enganar os seus leitores, por meio de práticas de desinformação. São usadas como tática por três motivos: é menos custoso produzi-las do que produzir dados precisos; seus consumidores estão impossibilitados de inferir a precisão sem altos custos; e seus consumidores podem desfrutar de visões sectárias[iv]. Logo, ela serve para induzir usuários que já teriam afinidade com o conteúdo manipulado e possibilitar a propagação dele, por meio da credibilidade.

É a partir da “bolha ideológica” do nicho selecionado para a propagação da fake news que ela se expande para a rede. Ou seja, é identificado um perfil consumidor para a propagação da prática. Porém, como esse processo é feito? Através do Big Data, a identidade algorítmica é capaz de calcular e identificar os perfis que seriam propícios a compartilhar o conteúdo. A maior parte dos dados, produzidos em quantidades crescentes e com crescente subjetividade, não são apenas dados, mas também material constitutivo para classificações interpretativas, estruturantes e, em última instância, modulatória da identidade do usuário em rede[v].

Quanto maior for a rede dos usuários que propagam as fake news, maior é a métrica de reputação do mesmo. A transmissão da mensagem em rede depende do poder do veículo transmissor. Quando um candidato publica algo referente a um ataque contra si próprio, seus eleitores tendem a dar credibilidade e compartilhar a afirmação com revolta contra quem o atacou. O caso do Eduardo Bolsonaro, político do mesmo partido e com a mesma linha política de seu pai, não foi diferente: eleitores e ativistas de ambos se mobilizaram para “desmascarar” a organização de Mulheres Contra o Bolsonaro.

As redes sociais possuem um papel crucial na propagação do conteúdo partidário. A partir do momento em que o algoritmo identifica o conteúdo alinhado ao que é relevante ao usuário e sua rede de amigos, a timeline passa a se orientar por dois tipos de conteúdo: o marketing direcionado e o conteúdo de interesse. O primeiro tenta adivinhar, a partir dos dados dos usuários, qual seria o objeto de consumo desejado, enquanto o segundo é identificado pela identidade algorítmica com a finalidade da construção da personalidade do usuário. Ou seja, a tendência das pessoas se informarem apenas pelas redes sociais pode se limitar na visão de mundo esperada por elas mesmas. O algoritmo que define, portanto, o que será ou não visualizado e a ordem das publicações.

Os assessores dos presidenciáveis já perceberam a importância de uma campanha orgânica nas redes sociais e investem na imagem dos perfis de seus candidatos. Um recente levantamento realizado pelo instituto InternetLab[4], por exemplo, aponta que em média 37,4% dos perfis que seguem os presidenciáveis no Twitter são robôs, através de uma pesquisa de análise de seguidores, para a captação da popularidade de todos. Apesar do Twitter, a lei e a legislação eleitoral vetarem essa prática, Bolsonaro é o quarto candidato com mais seguidores robôs (34%), atrás somente de Alvaro Dias (60%), Geraldo Alckmin (45,8%) e Marina Silva (36%).

O ativismo feito pela internet também incorpora essa prática: diariamente são feitos vídeos no youtube, correntes e áudios no whatsapp, pesquisas e notícias divulgadas no facebook e twitter, montagens de foto no feed e stories no instagram, entre outras táticas. Parte da proliferação das fake news são criadas a partir de interpretações de militantes que produzem conteúdos.

Contra essa tática, foi criada a “TRETA aqui”[5], com o objetivo de identificar o discurso de ódio nas eleições. A plataforma age em defesa de duas situações: contra discursos de candidatos e na proteção de ataques contra candidaturas. A iniciativa da organização Coding Rights, MeRepresenta, Fundação Cidadania Inteligente, Beta, Vote LGBT, InternetLab, Gênero e Número, Rede Feminista de Juristas e Umunna reforça que a denúncia dos discursos de ódio é um ato político, e reivindica o tratamento jurídico para esse tipo de crime, muitas vezes desconsiderado.

Qual hashtag vai para o trending topics?

Quem são os apoiadores do Bolsonaro e como os seus militantes se organizam? O perfil dos eleitores do Bolsonaro é facilmente identificado pelos algoritmos, seus dados dialogam com uma série de revoltas que surgem a partir do ódio contra anos de avanços sociais, traduzidos como a “ameaça do comunismo” no Brasil por eles. Os “Bolsomitos” são majoritariamente jovens: 60% do eleitorado tem entre 16 a 34 anos, e desses, a metade tem menos de 24 anos. A maioria se organiza em grupos de plataformas sociais. O grupo de whatsapp “Multiplicadores Bolsonaros”, é um exemplo que recebe via administradores informações diárias do mandato e campanha do presidenciável.

Politicamente, o candidato prefere estar fora dos espaços de organização, não costuma comparecer em reuniões dos grupos de direita, não participa das redes sociais. Enquanto isso, sua militância se responsabiliza pelo compartilhamento de posicionamentos e vídeos. Existem grupos teóricos e práticos, que se tornaram até lugar de socialização entre usuários.

Muitos argumentam que o Bolsonaro é “bem-humorado”, ou seja, suas declarações ofensivas não passam de brincadeiras de um sujeito que nega a imagem do “politicamente correto” e essa postura dialoga com muitos, inclusive com algumas mulheres. As “Bolsomitas” compõem um perfil que não necessariamente é contra alguns princípios que garantam a igualdade de gênero, mas que se opõem às pautas pró aborto, e identificam o movimento de esquerda como “extremista”. Uma das características que diferencia as mulheres contra e pró o referido candidato, é a concepção punitivista que defende o porte de armas como possibilidade de garantir segurança contra a violência de gênero, apesar de que os indicadores sociais apontam que não é uma medida que beneficiaria socialmente as mulheres.

Conclusão

A suposição de que a internet não pode ser controlada, por ser um espaço livre, democrático e infinito é utópica. A internet nunca foi e nunca será descentralizada, ela é distribuída e possui centros de controle[vi]. A partir disso, surgem as seguintes reflexões: a organização de movimentos sociais em ambientes virtuais, historicamente perseguidos e criminalizados, é segura? Ela gera dados que podem beneficiar quais atores?

As plataformas das redes sociais seguem a lógica do “capitalismo de dados”, enquanto um grupo de facebook com mais de 2 milhões de mulheres e suas opiniões políticas foi invadido. O poder dos homens sobre a tecnologia é tanto um produto quanto um reforço de suas outras formas de poder na sociedade[vii]. A disputa por tecnologias de comunicação democráticas deve ser feitas pelo movimento feminista para possibilitar formas de apropriação igualitárias capazes de modificar a hierarquia masculina prevalecente.

No ambiente virtual, é necessário assegurar segurança às mulheres e interseccionalidades a fim de garantir o empoderamento tecnológico que possibilite a disputa dos centros do controle. Portanto, na contemporaneidade, a vida sem a utilização dos dispositivos sociotécnicos e redes sociais não é possível, pois eles são o caminho para a disputa do poder. Porém, enquanto a dinâmica tecnológica e algorítmica servir ao capitalismo de dados, o cuidado com os dados é urgente e revolucionário.

A partir da conscientização dessa questão pelos movimentos sociais, espera-se que mais hashtags sejam criadas e transmitidas pelo gênero feminino na disputa das redes, urnas e espaços na sociedade.

Enfim, #EleNão

* Estudante em Bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), integrante do Laboratório de Estudos Digitais e do Núcleo de Estudos de Cidadania Conflitos e Violência Urbana

[1] https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/as-frases-polemicas-de-jair-bolsonaro/

[2] https://exame.abril.com.br/brasil/mulheres-a-principal-frente-de-resistencia-contra-bolsonaro/

https://blogs.oglobo.globo.com/focanovoto/post/recem-criado-grupo-mulheres-contra-bolsonaro-no-facebook-ja-reune-quase-700-mil-integrantes.html

https://www.revistaforum.com.br/milhares-ja-confirmam-presenca-no-ato-mulheres-contra-bolsonaro-em-sao-paulo/

[3] https://epoca.globo.com/como-grupo-mulheres-contra-bolsonaro-foi-hackeado-no-facebook-23083037?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=post

[4] http://www.internetlab.org.br/pt/informacao-e-politica/bot-ou-nao-quem-segue-os-candidatos-presidente/

[5] https://www.tretaqui.org/

[6] VICE Brasil. O Mito de Bolsonaro: o que pensam e como se organizam seus apoiadores? Acessado 23 de setembro de 2018. https://www.youtube.com/watch?time_continue=478&v=bBg6vkwcOxM.

[i] Jouët, Josiane. "Technologies de communication et genre." Réseaux 4 (2003): 53-86.

[ii] CARDON, Dominique. A quoi rêvent les algorithmes. Nos vies à l'heure: Nos vies à l’heure big data. Le Seuil, 2015.

[iii] SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Para analisar o poder tecnológico como poder político. Cultura, política e ativismo nas redes digitais. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.

[iv] Allcott, Hunt, e Matthew Gentzkow. “Social Media and Fake News in the 2016 Election”. Journal of Economic Perspectives 31, no 2 (maio de 2017): 211–36.

[v] CHENEY-LIPPOLD, John. We are Data: Algorithms and the Making of Our Digital Selves,

(Introdução e capítulos 1 e 2). New York University Press, 2017.

[vi] MATHEW, Ashwin. “The myth of the decentralised internet”. Internet Policy Review, 5(3).

2016.

[vii]Jouët, Josiane. "Technologies de communication et genre." Réseaux 4 (2003): 53-86.

[viii] MACHADO, Jorge; MORETTO, Márcio. Riscos e incertezas do uso do Facebook como plataforma de ativismo político. Cadernos Adenauer XVI, n. 3, p. 113-132.

[ix] CHENEY-LIPPOLD, John. “A New Algorithmic Identity: Soft Biopolitics and the Modulation of Control”, Theory, Culture & Society vol 28(6): 164-181. 2011.

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